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Cuidados básicos para as fases de cria e recria de bezerras leiteiras

11/08/2020

Gabrielle Araujo Rodrigues dos Santos1
Júlia dos Santos Fonseca1
Livia de Carvalho Pinheiro1
Ana Paula Lopes Marques2

Discentes e Orientadora, Grupo de Estudos Liga de Bovinos - LiBovis
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ

 

O sucesso no aumento de produtividade em rebanhos leiteiros está muito relacionado com a forma com que os animais são criados, desde quando nascem até se tornarem adultos. As fases de cria e recria devem ter seus devidos cuidados dentro de uma propriedade, pois são esses animais que servirão de reposição para o atual rebanho.

Os cuidados com a cria devem começar ainda na gestação da vaca, especialmente nos três últimos meses que antecedem o parto. Nesse período, a vaca não consegue ingerir grandes quantidades de volumoso e concomitantemente as exigências do feto são maiores. Muitas vezes são destinados os piores piquetes para vacas secas e, apesar de nesse momento a vaca não estar produzindo leite, está se preparando para a próxima lactação e nutrindo o feto em sua fase final de acelerado crescimento. As estratégias durante o período seco devem considerar os efeitos potenciais sobre o feto antes da parição, fortalecendo a cria depois do parto. Os requisitos fetais de energia e proteína são significativos, portanto, a formulação de rações para vacas secas deve conter energia suficiente para apoiar o crescimento fetal mais a manutenção da vaca e do feto.

Fase de cria

A fase de cria, que compreende o período do nascimento até o desmame (iremos considerar o desmame aos 90 dias de idade), requer muita atenção em uma propriedade leiteira. Esta fase, associada à fase de recria, é determinante para a saúde e a produtividade da futura vaca, tendo aspectos como a sanidade, bem-estar e a nutrição interferindo em toda sua vida produtiva. A primeira semana de vida constitui a fase mais crítica da bezerra, já que 50% da taxa de mortalidade do primeiro ano de vida ocorrem neste período, em que a saúde da mesma é fortemente influenciada por diversos fatores, incluindo a higiene do ambiente, seja o local de parto num piquete maternidade ou em currais apropriados.

Logo que nascem, as mucosas oral e nasal devem ser limpas para remover todas as membranas fetais que podem prejudicar a respiração. Com o auxílio de panos limpos e isentos de cheiros fortes, deve-se enxugar o animal realizando uma leve fricção, principalmente em área de tórax e abdome, estimulando a circulação do recém-nascido, mas com muito cuidado para que não haja fraturas de costelas, resultado de fricções muito vigorosas.

corte e a ligadura do cordão umbilical, se necessários, devem ser feitos de modo que o coto fique aproximadamente, cinco centímetros afastado do corpo do animal e, a cura do umbigo deve ser feita, no mínimo, duas vezes ao dia com solução de iodo 10% até que o mesmo desidrate e involua. Também é importante realizar a pesagem do animal, que pode ser feita por meio de uma balança ou por uma fita de pesagem de bovinos, o que nos dá uma estimativa do peso baseado no diâmetro torácico. Se os cuidados com a bezerra se iniciarem antes de seu nascimento, com a efetivação de um manejo ideal no pré-parto, é provável nascer um animal saudável e com peso compatível com a raça.

Ao nascer, a transferência adequada de imunoglobulinas (anticorpos) da mãe para a bezerra, através do fornecimento de colostro, é importante para a saúde e desempenho ideais em recém-nascidos. A ingestão de colostro recomendada para bezerros neonatos é de 10% do seu peso vivo, ou seja, se um animal nasce com 30 kg ele deve consumir cerca de 3 litros de colostro logo nas primeiras horas após o nascimento, pois o recém-nascido não tem resistência contra agentes patogênicos comumente encontrados no ambiente. Quanto mais rápida for a ingestão do colostro pela recém-nascida, maior será a absorção das imunoglobulinas, pois o intestino da bezerra vai perdendo capacidade de absorção dos anticorpos, gradativamente, após o nascimento. O colostro também possui alto valor nutritivo, estimula as funções normais do trato digestivo e tem efeito laxativo, atuando na expulsão do mecônio (primeiras fezes pegajosas, oriundas de líquido amniótico digerido acumulado no intestino durante o desenvolvimento fetal).

Analisar a qualidade do colostro que as bezerras estão ingerindo também é importante, pois muitas propriedades fornecem corretamente o colostro mas, ainda sim, as bezerras continuam desenvolvendo problemas de saúde. A qualidade do colostro pode ser medida com o auxílio de um colostrômetro (hidrômetro). Para esse método, a temperatura adequada do colostro deve estar de 20 a 25ºC, temperaturas fora desse intervalo produzem falsos resultados. O colostrômetro bem calibrado em intervalos de 5 mg/mL classifica o colostro como de baixa qualidade (vermelho) quando Ig < 20 mg/mL; moderado (amarelo) para o intervalo de 20 – 50 mg/ mL; e excelente (verde) para valores de Ig maiores que 50 mg/mL. Outra maneira de medir a qualidade do colostro — e para esse método a temperatura do mesmo não influencia os resultados — é por meio do refratômetro de brix (óptico ou digital). A porcentagem de brix pode ser correlacionada com a concentração de IgG do colostro e o valor limite que indica que o colostro é de boa qualidade (> 50 mg de Ig/mL) é 21% de brix.

Para saber se houve eficiência na ingestão do colostro pela bezerra, pode ser feita a avaliação de imunoglobulinas no sangue dos animais, por meio do refratômetro de proteínas séricas. Entre 24 e 48 horas de vida do bezerra, coleta-se uma amostra de sangue com tubo sem anticoagulante (os de tampa vermelha), e através de descanso do tubo ou centrifugação, obter o soro, que será utilizado no aparelho. Os resultados variam de: acima de 5,5 g/dL (sucesso na transferência de imunidade passiva), entre 5,0 e 5,4 g/dL (transferência de imunidade passiva moderada) ou abaixo de 5,0 g/dL (falha na transferência de imunidade passiva).

Ao nascimento, o sistema digestivo dos ruminantes comporta-se fisiologicamente como dos animais monogástricos, tendo apenas o abomaso desenvolvido e funcional. Por isso, no início apenas alimentos líquidos são digeridos efetivamente. Após o fornecimento do colostro, uma variedade de dietas líquidas pode ser fornecida aos animais, dentre elas o leite integral, o colostro excedente, o leite de transição, o leite de descarte e o sucedâneo. Essas dietas devem ser servidas em duas refeições diárias, com o volume de leite em função do peso, equivalente a 10% do peso vivo da bezerra.

A oferta de um bom volumoso e de concentrado adequado para a fase de cria deve ser feita desde a segunda semana de idade, juntamente com o aleitamento, mas é só a partir da terceira semana de vida, que o rúmen começará o desenvolvimento e o consumo de alimentos sólidos tende ser eficiente e a aumentar. O desenvolvimento de papilas ruminais, responsáveis pela absorção de produtos finais de fermentação, depende principalmente da presença de alimentos sólidos no rúmen, e da consequente produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) resultantes de fermentação.

Outro fator importante para o desenvolvimento ruminal apropriado é a ingestão de água limpa e fresca, que deve ser ofertada desde o terceiro dia de vida, pois para a realização da fermentação do concentrado e das forragens, é necessário que a microbiota ruminal esteja em um ambiente com água. Quando a água é consumida abaixo do ideal, a microbiota não consegue crescer e o desenvolvimento ruminal é retardado contribuindo para o insucesso do desmame precoce. Além disso, a livre ingestão de água tem mostrado um aumento no ganho de peso, pois quando a água está disponível, os bezerros consomem uma maior quantidade de concentrado, consequentemente crescem mais rápido, tem uma menor incidência de diarreia e desmamam precocemente.

desaleitamento ou desmame pode ser feito quando a bezerra estiver ingerindo quantidade significativa de alimento sólido e ruminando regularmente. Pode ocorrer a partir dos 60 dias de idade, se o manejo nutricional for adequado, reduzindo os gastos com este período. Neste momento, a bezerra deve apresentar padrões normais de ruminação, estar ingerindo diariamente, no mínimo, 1% do seu peso em concentrado, não apresentar hipertermia e diarreia, consumir feno ou volumoso regularmente e ter ganho de peso médio diário próximo a 500 g desde o nascimento. A suspensão do fornecimento de leite pode ser total e abrupta, para que a bezerra seja estimulada a aumentar a ingestão de alimento sólido, que deve ser limitado a 2% do peso vivo, e ajustado semanalmente, com base no aumento de peso do animal. Existem também outros protocolos, cujo desaleitamento é realizado de forma gradativa.

Fase de recria

A fase de recria compreende o período desde o desmame até o início da reprodução das fêmeas. A grande problemática desta fase e que estes animais também não refletem lucro imediato ao produtor. Dessa forma as novilhas acabam por receber menor atenção e cuidados na propriedade, podendo resultar em desenvolvimento insatisfatório, o que atrasa o desenvolvimento sexual, aumentando o período de recria, dos custos de criação e consequentemente levando à queda na eficiência produtiva.

Um ponto de grande relevância a ser considerado na bovinocultura é que a maturidade sexual das novilhas tem relação direta com o seu peso corporal e não com a idade e, devem ser considerados dois tipos de maturidade: a fisiológica e a zootécnica. A puberdade fisiológica das fêmeas é caracterizada pela primeira ovulação, acompanhada pelo desenvolvimento de um corpo lúteo capaz de se manter durante um ciclo estral completo, e em fêmeas leiteiras, ocorre quando o animal atinge cerca de 45% do peso adulto, o que em rebanhos com manejo adequado e bom crescimento, deve ocorrer por volta dos 9 a 10 meses de idade. Já a puberdade zootécnica corresponde à idade em que uma fêmea pós-púbere possui um desenvolvimento corporal que a torne capaz de sustentar, de forma eficiente, uma gestação. A fêmea deverá estar com aproximadamente 55% a 60% do seu peso adulto: raças grandes com 350 a 380 quilos e raças menores com, no mínimo, 280 quilos.

É recomendado que a primeira cobertura ou inseminação ocorra quando a novilha atingir a puberdade zootécnica, em média aos 15 meses de idade. As variações são 18 a 20 meses para gado europeu (Holandês e Jersey) e 24 meses para gado mestiço (Holandês/Zebu).

Em relação à alimentação destas novilhas, é imprescindível a oferta de forragem de qualidade e suplementação com concentrado, já que, logo após o desmame, o sistema digestivo destes animais ainda não está suficientemente desenvolvido para suportar a ingestão de volumoso. A divisão das novilhas em lotes menores e de acordo com a idade ou peso aproximado é uma técnica de manejo simples que facilita o acesso dos animais ao alimento, evitando competição e consequentemente subnutrição das novilhas mais fracas ou menos dominantes.

Em condições adequadas de manejo, que atendam de forma satisfatória as exigências nutricionais e sanitárias, e garantam o bem-estar geral das novilhas, é possível obter valores de ganho médio diário de 700 a 800g. Estudos demonstram que ganhos acima de 900g por dia são danosos, pois favorece o depósito de tecido adiposo no úbere prejudicando o pleno desenvolvimento do parênquima da glândula mamária, e desta forma a futura produção de leite. Também é importante salientar que novilhas com sobrepeso apresentam quadros de distocia com mais frequência, quando comparadas àquelas com escore de condição corporal adequado.

Um manejo correto, que propicie boa criação de bezerras desde o nascimento até a vida adulta, irá garantir além do desmame precoce, boas taxas de crescimento aos animais, redução da idade ao primeiro parto, um bom desenvolvimento da glândula mamária e uma boa produção leiteira na vida adulta dessas vacas. 

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Referências

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MEDEIROS, D. L. Novas Estratégias no Manejo Alimentar de Bezerras Leiteiras. 2017. Monografia (Graduação em Zootecnia) - Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba, Areia, PB.

RIBEIRO DE PAULA, M.; BITTAR, C. Uso do colostrômetro e do refratômetro para avaliação da qualidade do colostro e da transferência de imunidade passiva. MilkPoint. Disponível em: [https://www.milkpoint.com.br/colunas/carla-bittar/uso-do-colostrometro-e-do-refratometro-para-avaliacao-da-qualidade-do-colostro-e-da-transferencia-de-imunidade-passiva-89692n.aspx]. Acesso em: 27 de julho de 2020.

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TEIXEIRA, V. A.; DINIZ NETO, H. C.; COELHO, S. G. Efeitos do colostro na transferência de imunidade passiva, saúde e vida futura de bezerras leiteiras. Nutritime Revista Eletrônica, v. 14, n. 5, p. 7046-7052,2017.

 

Fonte: milkpoint