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O renascimento da gordura láctea (fat reborn)

18/08/2020

Fat reborn, traduzindo para o português, “renascimento da gordura” é uma nova tendência na indústria de alimentos. Agora, a gordura já não é mais vista como vilã, e especialmente as gorduras lácteas estão ganhando destaque no mercado.

Se existem nutrientes polêmicos, certamente um deles é a gordura. Essa molécula já passou por diversas fases, oscilando entre o poder e a submissão. Na Idade Média, foi amada, e comer carnes e alimentos gordurosos era sinônimo de poder. Quando se trata das eras mais modernas, a valorização do corpo magro fez com que a sociedade criasse medo da gordura, e os alimentos gordurosos se tornaram “proibidos”. 

Mas essa história está mudando. Com os avanços das ciências da nutrição, já existe a concepção de que a gordura não é essa vilã das dietas, e particularmente as gorduras lácteas estão ganhando destaque no mercado. O consumo de boas fontes de gordura já era amplamente recomendado pelos nutricionistas, e agora as pessoas  estão mudando a percepção sobre o que é gordura saudável.

Em pesquisa feita em 2018 pela New Nutrition Business (NNB) com consumidores, o percentual de americanos que pensavam que “gordura não é ruim” era de 11%, número pequeno, mas representa um aumento de 50% desde 2017. Na Austrália, quase 15% da população pensa que a gordura não é ruim. Nos EUA, 24% das pessoas agora classificam a manteiga como uma “boa gordura”.

Isso porque, há algum tempo, alguns cientistas estão revendo os conceitos do que sabem sobre gordura. Esse discurso começou em 2010, com a revista American Journal of Clinical Nutrition, que publicou pesquisa que afirmava que "não há evidências significativas para concluir que a gordura saturada da dieta esteja associada a um risco aumentado de doença coronariana ou CVD (doença cardíaca coronária e doença cardiovascular)”. Entretanto, é válido ressaltar que o estudo foi criticado e existe outro artigo contestando sua metodologia e resultados. 

Depois desse feito, outras pesquisas começaram a surgir, como, por exemplo, o estudo publicado em 2018 por Trends in Food Science & Technology, que questionou a hipótese da ligação entre a gordura láctea e o aumento do risco de doença cardíaca ou mortalidade geral, e obteve resultados positivos de que a gordura láctea tem diferentes funções metabólicas no corpo, promovendo benefícios à saúde.

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Composição da gordura do leite

A gordura do leite não era vista como saudável por ter em sua composição ácidos graxos saturados, muito associados a doenças cardiovasculares. Neste ponto, é válido ressaltar que estão ocorrendo maiores debates sobre as implicações das gorduras saturadas na saúde. Alguns profissionais contestam as diretrizes alimentares sobre esse consumo, mas as respostas ainda são inconclusivas. 

Ademais, o perfil lipídico do leite é diversificado, possuindo diferentes tipos de ácidos graxos, para além dos saturados, acarretando em distintos benefícios à saúde humana.

A composição da gordura dos lácteos também é formada por ácidos graxos de cadeia curta e ácidos graxos oleicos, esses últimos são considerados insaturados e estão associados à diminuição do “colesterol ruim” (LDL) e aumento do “colesterol bom” (HDL).

Além disso, os lácteos possuem o ácido linoleico conjugado (CLA), um tipo de gordura trans. Nesse caso, é um processo que ocorre naturalmente entre os ruminantes, diferente da gordura trans derivada da hidrogenação industrial da gordura, e essa gordura está envolvida com a prevenção de doenças cardiovasculares.

Mercado de gorduras lácteas: um olhar especial

A demanda por lácteos com alto teor de gordura está aumentando em alguns países, enquanto a procura por produtos com  baixo teor de gordura está caindo. Nos EUA, a venda de leite integral aumentou em 2,4%, assim como as vendas de marcas de iogurte integral, como a Noosa - que, de um faturamento de zero em 2012, passou para US$ 300 milhões em 2017.

Além dos leites e iogurtes, a manteiga também ganhou um grande destaque. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) espera que a demanda global por manteiga cresça 2,2% ao ano no período de 2018 a 2027, apesar da elevação do seu preço. 

O aumento das vendas de manteiga deu impulso para produção de novos produtos com gordura como, por exemplo, itens à base de ghee. Ghee é um antigo produto ayurvédico, é uma forma de manteiga clarificada, que apresenta melhor perfil lipídico, com ômega-3 e ácido linoleico, além conter vitaminas, sendo considerada uma boa fonte de gordura. 

E no Brasil?

A Mintel, empresa de pesquisa de mercado, acredita que o mercado de gorduras lácteas no Brasil - especialmente a manteiga -, tem um futuro promissor. 

A maior parte do leite é consumido em sua forma integral – 63% dos brasileiros bebem essa variedade, em comparação com os 23% que consomem leite desnatado. Em pesquisa da Mintel, foi visto que dois terços dos brasileiros comprariam mais manteiga se o preço fosse mais acessível, destacando, assim, oportunidades de investimento para os produtores locais de laticínios.

De acordo com o Banco Global de Novos Produtos (GNPD), em 2017 houve um aumento de 58% em produtos feitos com manteiga, quando comparado a 2016. A Mintel acredita que o mercado brasileiro de manteiga oferece oportunidades significativas para os fabricantes. Eles apostam que mais consumidores vão abandonar a margarina conforme os preços se tornem mais acessíveis.

Motivações para o consumo de gordura

Tão importante quanto conhecer o mercado, é essencial entender as motivações que levam o consumidor a comer alimentos com gordura. Segundo o New Nutrition Business (2019), esse comportamento é motivado por: 

1. Amantes de gosto: Pessoas que preferem o sabor e optam pelo produto com composição de gorduras totais.

2. Amantes de açúcar: Para compensar a perda de sabor das linhas zero gordura, em alguns casos há a adição de açúcar. Assim, pessoas que querem diminuir o consumo de açúcar podem optar por aqueles com valor total de gordura.

3. Amantes de proteínas: são pessoas que estão escolhendo alimentos com maior teor de proteínas para aumentar seu bem-estar.

4. Consumidores que desejam alimentos menos processados: para pessoas que gostam de alimentos integrais, “originais”, as versões com mais gordura são mais atraentes.

5. Dietas low carb: pessoas que adotam essa dieta substituem o consumo de carboidratos por alimentos com maior teor de gorduras e proteínas.

Os alimentos menos processados e com as credenciais de saúde contribuíram para uma mudança no olhar sobre a gordura. A adoção desse nutriente em produtos segue a tendência de naturalidade que temos visto em muitas categorias de alimentos: pode ser visto como saudável, desde que seja natural! 

Fonte: milkpoint