Notícias

Entrevista exclusiva: A experiência de sucesso das cooperativas habitacionais no Canadá

27/11/2020

O cooperativismo é um movimento consolidado no mundo que vem transformando as inúmeras realidades ao redor do planeta e auxiliando no desenvolvimento socioeconômico dos países. Um dos pontos mais importantes desse modelo é sua capacidade de adentrar os mais variados setores da sociedade e, assim, promover efetivamente a mudança.

O segmento de cooperativas habitacionais vem crescendo no Brasil, mas que já ocupa um importante papel nas comunidades internacionais. Para entender um pouco mais como esse setor funciona, suas várias formas de aplicação e suas possibilidades essenciais para as pessoas, a MundoCoop, conversou com exclusividade com a Diretora de Programa da Cooperative Housing International, Julie LaPalme.

Além de diretora do Programa desde 2014, Julie passou oito anos na Agência Canadense para a Cooperativa de Moradia como Oficial de Informação e Gerente de Relacionamento, trabalhou em desenvolvimento organizacional e gestão de propriedades em cooperativas habitacionais e organizações sem fins lucrativos e desenvolve programas e gerencia projetos para a Cooperative Housing Federation of Canada  e para a Agency for Cooperative Housing em Ottawa, Canadá.

Venha acompanhar esse bate papo e descobrir todas as oportunidades que esse segmento pode trazer.

Confira!

O que é a Cooperative Housing International? Qual o seu papel? 

A CHI é a associação que representa o setor habitacional e faz parte do movimento cooperativo internacional. Nós somos uma das oito organizações setoriais que fazem parte da Aliança Cooperativa Internacional, a organização global de cúpula das cooperativas. 

Nosso principal foco é promover o modelo cooperativo habitacional como uma solução habitacional viável e centrada no ser humano. Facilitamos o compartilhamento de conhecimento através de intercâmbios entre pares, defendemos em nome das cooperativas habitacionais, compartilhamos boas práticas e criamos oportunidades de networking que conectam profissionais e representantes cooperativos e comunitários entre si, com a sociedade civil e os formuladores de políticas. 

Essas conexões podem e têm levado à parcerias e colaborações interessantes como a Rede CoHabitat, uma colaboração aberta e orientada de projetos entre diferentes organizações habitacionais lideradas pela comunidade. Trabalhamos juntos para demonstrar o sucesso e o potencial das moradias comunitárias e torná-las mais difundidas e acessíveis.

O que são as cooperativas habitacionais? O que as diferenciam dos projetos de habitação convencionais?

Uma resposta mais complexa:

Uma cooperativa habitacional é uma pessoa jurídica, geralmente uma cooperativa ou uma corporação, que possui imóveis, consistindo de um ou mais prédios residenciais; é um tipo de propriedade habitacional. 

As cooperativas habitacionais são uma forma distinta de propriedade residencial que tem muitas características que diferem de outros arranjos residenciais, tais como propriedade de casa unifamiliar, condomínios e aluguel. Já a corporação é baseada na filiação, sendo uma relação concedida por meio de uma compra de ações na cooperativa. A cada acionista da pessoa jurídica é concedido o direito de ocupar uma unidade habitacional. Uma vantagem principal da cooperativa habitacional é a união dos recursos dos membros para que seu poder de compra seja alavancado, reduzindo assim o custo por membro em todos os serviços e produtos associados à propriedade da casa própria.

As cooperativas habitacionais se enquadram em duas categorias gerais de propriedade: não-propriedade (referida como não-propriedade ou continuidade) e propriedade (referida como patrimônio). Nas cooperativas de não-equidade, os direitos de ocupação são às vezes concedidos sujeitos a um contrato de ocupação, que é semelhante a um arrendamento. Em cooperativas de capital, os direitos de ocupação são às vezes concedidos por meio de contratos de compra e venda e instrumentos legais registrados no título. Ou seja, os membros obtêm o direito de ocupar uma casa e compartilham os recursos comunitários da cooperativa que é propriedade de uma organização cooperativa. 

Uma resposta mais simples:

As cooperativas habitacionais são empresas de propriedade conjunta, controladas democraticamente e projetadas para atender às necessidades econômicas, sociais e culturais comuns de seus membros.

Uma pessoa pode se tornar um membro comprando ações da cooperativa. Nas cooperativas de aluguel, os membros assinam um acordo para alugar sua unidade da cooperativa. Muitas cooperativas habitacionais tentam manter o aluguel acessível e algumas oferecem subsídios para os membros de baixa renda. 

No modelo de propriedade, os membros da cooperativa são acionistas com uso exclusivo de sua unidade habitacional. Juntos, os membros são coletivamente donos dos espaços comuns. Eles também dividem os custos operacionais e de manutenção. 

Em ambos os modelos, eles tomam decisões democraticamente sobre como administrar a propriedade, incluindo manutenção e reformas. As cooperativas não são propriedade do governo e não são instituições de caridade, mas são organizações sem fins lucrativos de propriedade independente operadas por seus membros.

Cada comunidade de cooperativas habitacionais é diferente. Algumas são grandes complexos de apartamentos, outras são casas e outras são casas unifamiliares. Diferentes modelos de cooperativas estão disponíveis dependendo do país. Mas todos eles têm uma coisa em comum: estão focados na comunidade.

Levando em consideração sua experiência internacional e de sucesso, como começar uma cooperativa habitacional? Quais são as possiblidades que elas oferecem? 

Para iniciar uma cooperativa habitacional, o primeiro passo é reunir um grupo central de membros e definir os objetivos da cooperativa. Em seguida, decidir qual modelo de cooperativa é o melhor para você. Diferentes modelos estão disponíveis, dependendo do país em que você se encontra. 

Escolha um nome e decida quem assumirá quais funções no conselho de administração. Uma parte essencial para começar é construir uma equipe de especialistas que possam aconselhá-lo ao longo do caminho. Converse com advogados, contadores e profissionais de desenvolvimento organizacional e imobiliário especializados em habitação cooperativa. Você precisará concordar sobre suas regras, incorporar, abrir uma conta bancária e desenvolver suas políticas e procedimentos. Construir um edifício novo ou comprar um já existente para sua cooperativa é uma peça importante do quebra-cabeça. Prepare-se para solicitar empréstimos, permissões e concessões. 

O processo pode ser complexo, mas você pode encontrar muito apoio ao longo do caminho. Uma das melhores coisas que você pode fazer para começar é juntar-se a federações, redes e associações locais e regionais. Eles oferecem conselhos, networking, recursos, treinamento e advocacia para ajudá-lo a tornar seu sonho uma realidade. Informe-se sobre a legislação cooperativa em seu país e reúna seu grupo! 

Aqui está um ótimo site como referência que apresenta todas as etapas: https://www.communityledhomes.org.uk/how-do-it 

Cooperative Kalkbreite, pátio interno, 2014. [Fotografia de Volker Schopp]

O desenvolvimento dessas novas cooperativas habitacionais, se torna fundamental para as comunidades de baixa renda. Pensando nisso, como elas impactam a sociedade? 

As cooperativas habitacionais oferecem a possibilidade de moradias democratizadas onde todos têm uma palavra a dizer sobre elementos que afetam suas moradias, como o orçamento, as regras, a governança e a implementação de iniciativas que beneficiam e valorizam a comunidade.

As operações e a governança das cooperativas habitacionais são guiadas por sete princípios de governança e são baseadas nos valores éticos de honestidade, abertura, responsabilidade social e cuidado com os outros.

Os sete princípios cooperativos são:

  • Afiliação Aberta e Voluntária. 
  • Controle democrático dos membros. 
  • Participação Econômica dos Membros. 
  • Autonomia e Independência.
  • Educação, Treinamento e Informação.
  • Cooperação entre Cooperativas. 
  • Preocupação com a comunidade (e o meio ambiente).

Cooperativas são a única forma de organização empresarial com tal definição, valores e princípios internacionalmente acordados e reconhecidos.

Aqui no Brasil existe uma forte mobilização para fortalecer o ramo habitacional através das cooperativas. Como está sendo para o setor na América do Norte?

Vou falar do Canadá, pois é lá que estou!

Nas últimas décadas não houve muito investimento em moradias populares ou cooperativas habitacionais por nossos vários níveis de governo. Como a habitação é um assunto provincial e territorial, a abordagem varia de província para província. O Canadá lançou uma Estratégia Nacional de Habitação (NHS na sigla em inglês) há alguns anos, de modo que está mudando o cenário com mais financiamento, mudando as políticas e os comitês consultivos habitacionais sendo formados. Durante a próxima década, o objetivo da Estratégia Nacional de Moradia é remover 530.000 famílias da necessidade de moradia, reduzir em 50% o número de desabrigados crônicos e investir em moradias populares.

Isto está acontecendo através de acordos bilaterais com as províncias e territórios. Através do NHS, o governo federal está reunindo os setores público, privado e sem fins lucrativos para voltar a se engajar em moradias populares. Usando uma combinação de financiamento, subvenções e empréstimos, a estratégia visa criar comunidades acessíveis, estáveis e habitáveis. 

Você acredita que o investimento em cooperativas habitacionais pode ser uma solução para ajudar as comunidades? O que o movimento cooperativo, como um todo, pode fazer para caminhar cada vez mais para uma transformação sustentável?

O investimento em habitação cooperativa é definitivamente uma solução e seu sucesso depende do apoio efetivo do Estado, de uma estrutura legislativa apropriada, de uma boa gestão, de redes de apoio fortes e reconhecidas, de medidas para garantir a continuidade da acessibilidade econômica e de um sistema claro e confiável de propriedade da terra. 

O fato de haver tantas variantes no modelo habitacional cooperativo é uma indicação de como ele é um modelo habitacional adaptável e flexível que pode funcionar em tantas circunstâncias diferentes. A ACI e a CHI estão continuamente estabelecendo vínculos em diferentes países para fortalecer o movimento cooperativo, conectando os representantes e compartilhando as melhores práticas. De fato, no mês passado, ambos nos reunimos com a Federação Nacional das Cooperativas Habitacionais. Eles estão procurando se tornar membros para aprender mais sobre habitação cooperativa em outros países. 

Cooperativas habitacionais e as ODS

Os princípios e valores cooperativos se alinham bem com as metas de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. A Aliança Cooperativa Internacional (ACI) tornou uma prioridade estratégica o engajamento das cooperativas em todo o mundo para ajudar a atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS) para 2030. O papel que as cooperativas habitacionais desempenham no alívio da pobreza, desigualdade e insegurança da posse, entre outros desafios, é importante para atender a muitos dos ODS. 

A CHI desempenhou um papel ativo na identificação de qual dos ODMs (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio) habitacionais pode ajudar no cumprimento e quais metas o setor habitacional pode estabelecer para atingir esse objetivo. Ao todo são 17 metas globais e identificamos 11 metas que as cooperativas habitacionais podem focalizar mais efetivamente, juntamente com metas e indicadores. Por exemplo, o Objetivo 1 é acabar com a pobreza e as organizações habitacionais cooperativas em todo o mundo têm contribuído para este objetivo desde o início, fornecendo segurança de posse e proporcionando maior proteção social para as populações em risco. 

Para o objetivo 10 de reduzir as desigualdades, as cooperativas habitacionais obedecem ao princípio de associação aberta a todos, sem discriminação. O aumento do foco nas práticas de desenvolvimento da filiação inclusiva promove os direitos dos povos marginalizados. Além disso, muitas cooperativas reservam unidades para abrigar refugiados, pessoas em risco ou povos indígenas para apoiá-los em suas necessidades específicas.

Para a meta 12 de Consumo e Produção Responsável, as cooperativas habitacionais estão reduzindo sua pegada de carbono, comprometendo-se com a eficiência energética e o gerenciamento de resíduos e práticas anti-contaminação. 

As cooperativas em todo o mundo estão reduzindo o consumo de energia e mudando para fontes renováveis de energia. O número de cooperativas que estão reciclando, compondo e reutilizando está em ascensão. As cooperativas habitacionais estão se comprometendo a adotar práticas sustentáveis, implementando jardins comunitários, instalando painéis solares, reduzindo o uso de energia, substituindo luminárias de desperdício por luzes LED eficientes e a lista continua

Fonte: milkpoint