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A importância da lactose na dieta humana

06/09/2021

leite contém um tipo particular de açúcar: a lactose. Esse açúcar é sintetizado na glândula mamária da maioria dos mamíferos por meio da enzima lactose sintetase, que promove a ligação entre uma molécula de glicose e uma molécula de galactose (Figura 1).

 

O porquê de a natureza ter escolhido a lactose como o carboidrato exclusivo do leite ainda não é bem compreendido, uma vez que sua síntese requer substancial gasto de energia da mãe, além da energia demandada para sua digestão pelo recém-nascido. Mas, uma coisa é certa: nada na natureza acontece por acaso.

Então, quais seriam as possíveis razões para esse “esforço” da natureza? Neste artigo, a lactose será abordada como um nutriente amplamente disponível e que possui várias propriedades e funções importantes para o organismo, cujo consumo não deve ser restringido de forma arbitrária.

 

Importância nutricional da lactose

leite e seus derivados são a principal fonte de micronutrientes como cálcio, fósforo, vitamina A, vitamina B12 e riboflavina na dieta humana. Produtos lácteos também contêm proteínas de altíssima qualidade, as quais fornecem aminoácidos essenciais para diversos processos vitais.

Além disso, a lactose presente no leite (cerca de 7% no leite humano e 5% no leite bovino) é a principal fonte de energia dos recém-nascidos, possuindo um baixo índice glicêmico (IG), o que é considerado uma vantagem metabólica (FACIONI et al., 2020; ROMERO-VELARDE et al., 2019). Recentemente, muitos outros benefícios do consumo de lactose via ingestão de leite têm sido identificados.

O leite humano é único em seu alto conteúdo de lactose. Para o recém-nascido, a lactose é essencial para o provimento de energia, uma vez que, geralmente, é o único carboidrato ingerido nessa fase da vida. Quando é completamente digerida no intestino delgado, a lactose fornece cerca de 4 kcal/g. Além disso, a lactose participa no desenvolvimento cerebral da criança por meio da galactose.

Apesar de não ser considerada um nutriente essencial, a galactose exerce um papel fundamental no contexto do rápido crescimento e desenvolvimento de crianças por ser utilizada para a síntese de oligossacarídeos, glicoproteínas e glicolipídios. A galactose, em combinação com a glicose, ainda exerce uma importante função na nutrição de bebês e crianças na reposição de glicogênio hepático (COELHO, BERRY & RUBIO-GOZALBO, 2015).

A lactose ainda apresenta outras importantes vantagens para bebês e crianças: seu baixo grau de doçura e seu baixo efeito cariogênico. O poder adoçante da lactose é baixo (menos de 20% do poder adoçante da sacarose), e isto é benéfico, pois uma doçura elevada poderia estimular o apetite em excesso e desenvolver uma preferência por alimentos doces ao longo da vida.

O menor efeito cariogênico que outros açúcares, como a sacarose, deve-se ao efeito da capacidade tamponante do leite, que reduz o efeito da acidificação pela fermentação da lactose na cavidade oral (PFLIPSEN & ZENCHENKO, 2017).

Além dos benefícios para bebês e crianças, pelo fato de a lactose ser um açúcar com baixo IG, ela pode ser benéfica também nas dietas de indivíduos adultos. Existem estudos mostrando que dietas com baixo IG contribuem para o controle glicêmico em pessoas com diabetes tipo 1 e tipo 2, além de reduzirem o risco do desenvolvimento deste último tipo. O consumo de produtos lácteos com lactose é considerado neutro ou moderadamente benéfico à redução desse risco (AUGUSTIN et al., 2015; GUO et al., 2019).

Um outro benefício da lactose está relacionado à sua atuação no intestino. No caso de presença de parte da lactose não digerida no intestino delgado, esse carboidrato pode aumentar o conteúdo de água das fezes e reduzir o tempo de trânsito destas em indivíduos com constipação intestinal.

A lactose também pode servir como substrato para a microbiota do intestino, favorecendo o desenvolvimento de bactérias benéficas, especialmente as bifidobactérias, que podem proteger o trato gastrointestinal de infecções (THOMSON, MEDINA & GARRIDO, 2018).

Apesar de todos esses benefícios, muitas pessoas não conseguem consumir lactose por não conseguirem digerir adequadamente esse carboidrato. No entanto, é importante entender que essa condição não implica a necessidade de exclusão total de leite e derivados da dieta.

 

Intolerância à lactose: quais as alternativas?

Apesar de serem alimentos amplamente disponíveis, nem todas as pessoas podem consumir leite e derivados sem efeitos adversos. Esse é o caso dos alérgicos a proteínas do leite e dos intolerantes à lactose.

Para a digestão da lactose, é necessária a ação de uma enzima específica, a beta-galactosidase, comumente chamada de lactase. Essa enzima é encontrada nas microvilosidades do intestino delgado, onde hidrolisa a molécula de lactose em seus dois dissacarídeos constituintes, glicose e galactose (Figura 2), os quais são prontamente digeridos e absorvidos.

 

Cerca de 70% da população adulta mundial apresenta expressão limitada da enzima lactase, o que ocasiona má absorção da lactose. Esse percentual varia grandemente entre regiões e países (FACIONI et al., 2020).

Por exemplo, no Brasil, cerca de 40% da população adulta apresenta algum grau de intolerância à lactose, sendo que sintomas graves estão presentes em apenas 2% da população. Em indivíduos com deficiência dessa enzima, a lactose é mal digerida e, como não digerida não pode ser absorvida na corrente sanguínea, esta fica susceptível à fermentação por bactérias intestinais.

As consequências desse processo fermentativo são dor e distensão abdominais, diarreia e flatulência, sintomas esses que caracterizam a síndrome clínica conhecida como intolerância à lactose (FASSIO et al., 2018).

Aos indivíduos intolerantes à lactose são prescritas dietas com restrição a esse açúcar. No entanto, a prescrição deve ser cuidadosa. Restringir totalmente produtos lácteos não é uma prática recomendada atualmente, uma vez que se sabe que a maioria dos pacientes pode tolerar o consumo de até 12 g de lactose em uma dose única, ou quantidades maiores se a dose for distribuída ao longo do dia ou consumida durante refeições (ROMERO-VELARDE et al., 2019; SZILAGYI & ISHAYEK, 2018).

Além disso, tendo em vista o importante papel nutricional do leite e seus derivados, a restrição total ao consumo de lácteos devido à intolerância à lactose seria uma privação ao consumo de um alimento extremamente rico e saudável, podendo levar ao desenvolvimento de sérias deficiências nutricionais.

Neste contexto, vale ressaltar que dietas “da moda” nas quais a exclusão da lactose por indivíduos saudáveis é feita sem acompanhamento médico e nutricional podem levar a consequências sérias relacionadas à saúde.

Alternativas para o consumo de lácteos por intolerantes à lactose incluem a ingestão de produtos cuja lactose tenha sido previamente hidrolisada em glicose e galactose e também a ingestão de enzima lactase exógena pelo indivíduo intolerante antes da ingestão do produto.

Além disso, alguns indivíduos com intolerância conseguem consumir alimentos lácteos fermentados, como iogurtes, sem experimentar os sintomas intestinais, pois os microganismos das culturas utilizadas para a fermentação nesses produtos são capazes de produzir e fornecer a lactase para a digestão da lactose in vivo (FACIONI et al., 2020). Portanto, a intolerância à lactose não precisa ser um motivo para exclusão de produtos lácteos da dieta.

Além da intolerância à lactose, outra questão pode instigar a mente de muitas pessoas quanto ao consumo de lactose: “sendo a lactose um açúcar, a redução do seu consumo não deveria ser encorajada, como tem sido feito no caso de açúcares em geral?”. Porém, será que a lactose deveria mesmo ser incluída nessa questão?

 

A lactose e a problemática do consumo de açúcares

Como parte de seus nutrientes, a lactose é um açúcar naturalmente presente no leite. Os açúcares têm sido associados ao desenvolvimento de obesidade e incidência de doenças crônicas, e muitos países têm seguido as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para redução do consumo de açúcares pela população e implementado políticas públicas para o alcance desse objetivo (SEO, KIM & KWON, 2019).

No entanto, as recomendações da OMS referem-se ao consumo de “açúcares livres”definidos como monossacarídeos e dissacarídeos adicionados aos alimentos por fabricantes ou por consumidores, além daqueles presentes no mel, em xaropes de açúcares e em sucos de frutas. Nesta definição não estão inclusos açúcares de ocorrência natural nos alimentos, como a lactose em leite e a frutose em frutas intactas.

Esses açúcares foram intencionalmente excluídos das recomendações da OMS devido à falta de evidências de efeitos adversos associados a eles (OMS, 2015). Dessa forma, a adoção de dietas com restrições à lactose com base em suposto ganho de peso ou risco de doenças crônicas associados ao consumo desse açúcar pela ingestão de lácteos não é, até o momento, comprovadamente justificável.

Portanto, diante do exposto, o consumo de produtos lácteos não deve ser desencorajado e, sim, considerado de grande importância para manutenção de uma vida saudável, dando-se os devidos créditos às importantes propriedades nutricionais de seu açúcar intrínseco, a lactose.

Além disso, graças aos constantes desenvolvimentos da indústria de laticínios, atualmente, os intolerantes à lactose também conseguem desfrutar destes alimentos tão nutritivos que são o leite e seus derivados.

Fonte: milkpoint