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Dairy Vision 2021: uma visão do leite brasileiro

24/11/2021

Hoje (23/11), o quarto encontro do Dairy Vision 2021, teve uma manhã de palestras com um olhar voltado para a indústria do leite brasileira. Com um oferecimento do MilkPoint Mercado, foram abordados pontos relevantes para o setor, como o mercado de queijos, impactos para os lácteos da nova rotulagem, comportamentos e tendências de consumo, o caso de sucesso da Unium, bem como uma visão ampla dos desafios e oportunidades para os laticínios no Brasil.

Iniciando a manhã de palestras, Maikel Grasel, Conselheiro da UltraCheese — plataforma de queijos e creme, detentora das marcas Cruzília, Lac Lélo, Búfalo Dourado e Itacolomy — abordou a consolidação do mercado de queijos, destacando as dificuldades e as oportunidades.

Como desafios para o segmento, Grasel elencou a informalidade, qualidade da matéria-prima, baixa tecnologia, tanto no campo quanto nas indústrias, questões ambientais, gestão, ociosidade industrial e a cadeia de abastecimento.

“Não sei se todos possuem essa mesma visão, mas algo que internamente nós [da UltraCheese] estamos observando nos últimos anos é que a ociosidade industrial trouxe, de certa forma, um viés muito mais voltado à redução de custos e à melhoria da produtividade industrial,” disse Grasel. “Também, fez as empresas buscarem leite, pagando preços muitas vezes acima do que o mercado justificaria”.

“Outro ponto importantíssimo é a cadeia de abastecimento: nós somos um país gigantesco e sabemos que a cadeia de abastecimento para o queijo é refrigerada. Então, é muito complicado você ter uma cadeia logística adequada ou que traga bons indicadores logísticos em um país continental.” 

Em relação as oportunidades, Maikel ressaltou que não tem dúvidas que elas não faltarão. Entretanto, para encontrá-las, destacou que é preciso “fazer boas perguntas.” Neste sentido, entre outros questionamentos, indagou: o que podemos fazer para incentivar o crescimento do consumo de queijos? Exportar é o caminho? Pagamento por qualidade por si só adianta? Por fim, finalizou: “as oportunidades estão onde os desafios se encontram.”

Em seguida, Virginia Traldi, líder de Marketing da Kerry para a América Latina e o Pedro Tatoni, Gerente da Marketing Kerry para o Brasil e cone Sul, abordaram os impactos da nova rotulagem nutricional para os lácteos com base na experiência de outros países.

De acordo com Pedro, mudanças decorrentes da nova rotulagem podem causar bastante impacto nos rótulos nutricionais dos lácteos. Em termos gerais, ele explicou que serão alterados três pontos muitos específicos nos rótulos: rotulagem nutricional frontal, tabela de informações nutricionais e as alegações nutricionais. “Isso vai dar uma ‘nova cara’ para os produtos,” disse.

Perante essas mudanças na rotulagem, Tatoni alertou que “a maioria dos lácteos no Brasil está na zona de risco. Quando olhamos a categoria sorvetes, 24% estão acima de 6mg de gordura. Então, teremos um quarto dos sorvetes que terão um selo [na embalagem, de acordo com a nova rotulagem] indicando que são ricos em gordura.”

O palestrante também citou os requeijões, enfatizando que, atualmente, 94% dos produtos estão no limite de gordura. Em relação ao teor de carboidratos, chamou atenção para os iogurtes e bebidas lácteas. Contudo, a situação mais alarmante, são os queijos processados: 100% dos produtos estão acima do teor de gordura permito e 90% acima da quantidade de sal permitida. 

Feito um panorama da situação dos lácteos brasileiros, Virginia expôs dados de outros países sobre o impacto da nova rotulagem. No México, de acordo com ela, “dentro dos lácteos, todos produtos que eram considerados como um alimento saudável e depois apareceram com o selo [na embalagem] tiveram um impacto na percepção do consumidor.” Segundo Traldi, as categorias lácteas que mais caíram em venda foram os iogurtes, requeijões e outros tipos de queijos processados.

De acordo com Pedro, no Chile não foi diferente: a demanda por produtos que continham selo também caiu. “Os produtos que tinham a percepção de ser saudáveis caíram muitos mais que a média. Enquanto produtos que eram altos em calorias, não caíram tanto,” apontou.

Diante desse cenário, Virginia elencou três caminhos que as indústrias alimentícias podem seguir: reformulação dos produtos para reduzir o número selos, removê-los completamente ou criar linhas e marcas alternativas sem os selos. “Cada empresa pode decidir qual o caminho mais estratégico adequado para seguir.”

Com um olhar voltado para as cooperativas, Renato Greidanus, Diretor-presidente da Frísia Cooperativa Agroindustrial, abordou o caso de sucesso da Unium (união das cooperativas Frisía, Castrolanda e Capal).

Para Renato uma das vantagens do cooperativismo é a previsibilidade. “A indústria faz com que nós conseguimos uma maior previsibilidade. Com isso, conseguimos planejar melhor o futuro dos nossos investimentos na indústria láctea e o produtor tem um futuro mais previsível com relação ao preço recebido pela sua produção. Isso é um fator que acaba fortalecendo toda a cadeia,” disse.

“Uma das vantagens que nós temos como Unium é a escolha de uma cooperativa líder para fazer toda a parte de gestão do negócio. Na verdade, é usada toda a estrutura compartilhada da cooperativa para dar suporte a unidade de negócio. Por exemplo, o RH e a TI são estruturas que a Unium não tem, mas usa da cooperativa que é líder neste negócio,” explicou Greidanus. Além disso, Renato apontou que a gestão é bastante enxuta, possibilitando uma prestação de serviço de qualidade com um custo interessante para o negócio.  

Greidanus também elencou resultados alcançados da Unium, dizendo que “nós conseguimos neutralizar a concorrência entre as cooperativas, principalmente na captação do leite, que com certeza é algo que sempre atrapalha bastante qualquer unidade de negócio de lácteos.”

“Nós sabemos que nosso modelo [da Unium] faz com que tenhamos uma captação [de leite] e precificação únicas, o que traz tranquilidade ao mercado. Atualmente, nós temos um produtor muito profissionalizado, mas também muito fidelizado ao sistema. O produtor é muito fidelizado ao sistema, principalmente, porque ele também é um investidor dentro da unidade de negócio da Unium,” destacou Renato. Além disso, o palestrante pontuou que os produtores são bonificados pela qualidade do leite.

Em seguida, Bruno Martins Silva, sócio da Arlon Latin America, trouxe a visão do investidor. Você já se perguntou se os lácteos ainda são atrativos para o mercado de investimentos? Foi exatamente esse questionamento que Bruno abordou em sua palestra.

Para Silva, o apetite por investimentos em lácteos é reduzido devido à cinco fatores: investimentos passados malsucedidos, volatilidade, exposição à commodity, margens baixas e risco de fraudes. “São cinco itens que recorrentemente vêm à discussão quando existe a oportunidade de se investir em alguma empresa de lácteos aqui no Brasil.”

“O que os investidores não sabem são as coisas boas que existem por trás das indústrias de lácteos no Brasil,” salientou. Para Bruno, a primeira delas é que o mercado lácteo é crescente. Em seguida, elencou que existem empresas que consistentemente têm conseguido crescer e que muitas têm feito um bom dinheiro.

Silva também ressaltou que, apesar da indústria de lácteos apresentar margens apertadas, o capital investido é relativamente baixo. “De forma que o retorno sobre o capital investido é muito bom, e isso tem valor para os investidores financeiros,” esclareceu.  

Com uma visão ampla sobre o cenário brasileiro, Valter Galan, Sócio no MilkPoint Mercado, trouxe os desafios atuais e futuros para os laticínios no Brasil. Em sua apresentação, Valter abordou os seguintes itens: rentabilidade (margem de lucro), mercados finais (consumo) e como a estrutura da indústria impacta as relações com a cadeia do leite.

“Uma constatação e um desafio enorme é ainda a grande dependência dos volumes vendidos como commodities, produtos com margens tipicamente baixas e em queda, que oscilam bastante ao longo dos anos,” apontou Valter. Como exemplo de produtos lácteos comoditizados citou o leite UHT, muçarela, leite em pó industrial e o fracionado.

Em relação aos mercados finais de consumo, Galan pontuou que no curto prazo provavelmente teremos — ou já estamos tendo — uma janela de exportação de leite em pó. De acordo com ele, outra oportunidade no curto prazo é a recuperação da demanda do leite UHT e dos refrigerados. “Ao mesmo tempo há um potencial de crescimento de demanda em alguns mercados importantes. Claramente, o mercado de queijos segue sendo uma oportunidade.”

“Nos queijos nós temos a oportunidade nas commodities e fora das commodities (queijos especiais etc). E, nas commodities para atender diferentes tipos de mercado, food service, pizzarias etc,” completou Galan.

Além do aspecto de mercado, Valter ressaltou os comportamentos de consumo. “Estamos vendo o perfil de consumidores mudando rápido, principalmente nos grandes centros. O consumidor certamente continuará consumindo commodities, mas cresce a demanda por produtos novos e que, principalmente, contem a sua história e origem.”

Sobre a estrutura da indústria láctea brasileira, Galan apontou que ainda é bem fragmentada. “O primeiro impacto dessa fragmentação é a negociação com o varejo, que é um setor já bastante concentrado e em processo forte de concentração." Para Valter, essa negociação “certamente impacta a margem e os resultados da indústria.”

Seguindo na linha de os comportamentos de consumo, Kennya Siqueira, Pesquisadora na Embrapa Gado de Leite, trouxe o tema: ”A era do consumidor e uma visão sobre o mercado lácteo brasileiro”.

Sobre as variáveis que afetam o consumo de lácteos, Kennya destacou que não se pode deixar de pensar na renda da população. “No mundo todo, a renda tem uma grande influência quando se fala no consumo de proteína animal e, principalmente, de lácteos. Nós observamos que os países que têm uma renda maior tendem a consumir mais lácteos.”

Deste modo, Siqueira salientou que, com exceção do leite em pó integral, quando a renda aumenta, o consumo de leite e derivados também aumenta. Isso acontece em virtude das características do próprio produto, como maior diluição e estocagem sem refrigeração.

Além da renda, Kennya citou as gerações e o impacto na demanda por cada lácteo. Atualmente, seis gerações convivem no Brasil: geração silenciosa, baby boomers, geração X, geração Y ou milênios, geração Z e a geração alpha.

“No total [do consumo de lácteos] a geração Z se destaca. Essa geração, que na verdade, é a mais preponderante no Brasil, é a geração que mais consome lácteos. Então, isso é uma informação interessante.”

Outros aspectos relevantes citados por Kennya que interferem no consumo de lácteos foram o gênero, a escolaridade e o local de moradia. A junção de todos os fatores citados, de acordo com ela, resulta em uma persona, a qual é específica para cada derivado lácteo.

A persona do leite puro no Brasil é um homem, da geração silenciosa, classe AB e residente em zona rural. Quem são essas pessoas? São produtores, não necessariamente de leite, mas são grandes produtores rurais.” revelou.

Lácteos, ciência e bem-estar também não ficaram de fora das discussões do quarto painel do Dairy Vision 2021. Paulo Henrique Silva, Professor na Universidade Federal de Juiz de Fora, trouxe um olhar atualizado sobre lácteos e ciência.

“A proposta que eu trago hoje é termos quatro chaves para enxergamos a dimensão do valor nutricional sob o ponto de vista científico e mais atualizado. Proponho, primeiro, a composição: temos que conhecer os teores dos constituintes dos diferentes derivados lácteos. Qual é a matriz alimentar? Como eles se dispõe? Aquosos estão ligados às gorduras? Estão associados às proteínas? Qual é a disposição nessa matriz? Quais são as micro e nano estruturas? Como elas se modificam em razão do processamento? E o que isso impacta e reflete que nos leva a contrastar composição com biodisponibilidade,” disse Paulo Henrique.

De acordo com ele, a densidade nutricional deve estar mais em foco do que os níveis de processamento. Paulo Henrique citou um trabalho científico de junho de 2021, que “mostra que o processamento e o valor nutricional não guardam uma relação linear entre si. Contrastando com guias nutricionais e trabalhos que se voltam de maneira equivocada para terminologias de processamento.”

Adriano Rangel, Pesquisador na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, também fomentou a saudabilidade dos lácteos. Rangel apontou as forças que o leite e seus derivados apresentam: versatilidade de consumo, matéria-prima oriunda de diferentes espécies, riqueza nutricional, acessibilidade e aceitabilidade, presença global e em todas as fases da vida e evidências científicas da importância de seu consumo. 

Rangel também apresentou os cinco pilares das tendências globais de alimentos: saudabilidade e bem-estar; conveniência e praticidade; confiabilidade e qualidade; sensorialidade e prazer; e sustentabilidade e ética.

Segundo Adriano, entre esses cinco pilares “entrou um componente novo que veio para ficar, que nada mais é do que o componente de produtos que têm um potencial que possam fortalecer o sistema imune.”

O professor também abordou se ainda há espaço para inovações. “Eu acredito que no processo de inovação vai existir uma visão mais disruptiva, diante de tantos desafios. Onde a indústria pesquisa e busca soluções para atender o mercado consumidor em transformação.”

Encerrando mais um dia de evento, Marcelo Carvalho, CEO do MilkPoint e Co-Fundador do AgTech Garage moderou um debate ao vivo com a presença de todos os palestrantes. Certamente, o quarto painel do Dairy Vision 2021, traçou um panorama completo sobre o leite brasileiro.

O evento conta com a inscrição de quase 400 pessoas (sendo 57% do público indústria de laticínios e 21% empresas de insumos) de 12 países, ocorrendo online nas manhãs dos dias 17, 18, 23 e 24 de novembro.

O Dairy Vision 2021 é uma iniciativa do MilkPoint, com o patrocínio da Arla Foods Ingredients, Chr. Hansen, Engineering, Tetra Pak, Hexis Científica, Rousselot Peptan, Cap-Lab, Doremus e Separatori, apoiadores e palestrantes.

Fonte: milkpoint