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Startups são a ‘ponta de lança’ para inovação no setor cooperativo

27/11/2020

Promover a inovação e a criação de soluções realmente eficientes, replicadas, depois, por toda a economia, até que se forme uma grande ‘malha’ de transformação digital corporativa, em que as startups podem ser consideradas a ‘ponta de lança’ que dispara esse processo. Ainda vistas como ‘bicho-papão’ para alguns, elas são a ‘salvação’ para um número crescente de empresas, com destaque para as cooperativas, que precisam se ‘reinventar’, para reafirmar sua presença no mercado e garantirem o crescimento futuro. De acordo com a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), de 2015 a 2019, o número de startups mais que triplicou no país, saltando de 4.151 para 12.727.

Em que pese a maior visibilidade alcançada nos últimos anos, as startups, na verdade, surgiram entre os anos 1996 e 2001, quando o Vale do Silício – localizado no estado americano da Califórnia e berço da inovação tecnológica mundial – abriu espaço ao nascimento de projetos de empresas com grande potencial, num período conhecido como bolha da Internet, cujo diferencial era a disposição de atender um número maior de companhias.  

Embora o reconhecimento de sua importância estratégica pelo mercado seja recente, as startups respondem pela criação de mais da metade dos empregos no mundo – dados da Fundação Kauffman, referente a 2017 – passando a atender públicos diversos em todo o planeta, a partir de soluções globais que apresentam. Sua movimentação avassaladora vem chamando a atenção de profissionais, investidores e usuários de todos os segmentos econômicos, que buscam em eventos levantar as melhores práticas de mercado, como hackathons e conferências ou participando de programas de aceleração, como bom ‘ponto de contato’ mais próximo com as contribuições inovadoras oferecidas pelas startups. Conforme sites de pesquisa, hackathons é o termo que define “uma maratona de programação na qual hackers se reúnem por horas, dias ou até semanas, a fim de explorar dados abertos, desvendar códigos e sistemas lógicos, discutir novas ideias e desenvolver projetos de software ou mesmo de hardware”.  

Nos tempos atuais, em que pandemia e desejo de retomar o crescimento travam uma luta feroz, a vitória vai ser daquela organização que investir nesse mundo desconhecido, em que a startup, na verdade, é a inovação por trás da solução, oferecendo um modelo de negócio, a ser alavancado e replicado depois, ampliando-se conforme a demanda. Em outra definição, startup é o mesmo que colocar algo em funcionamento, ou no jargão corporativo, ‘os primeiros passos de uma empresa’. Em escala planetária, ação de startups vem revolucionando (e superando) conceitos tradicionais de analisar e desenvolver produtos, serviços e soluções ao mercado. Esse movimento deu origem à toda uma terminologia específica relacionada com as startups, que receberam como selo o temo “tech, a exemplo de fintechs (setor financeiro), construtechs (construção civil), insurtechs (seguros), edtechs (educação), HRtechs (recursos humanos), martechs (marketing), lawtechs (jurídico), entre outras.

Paula Thais Cardozo – coordenadora de Gestão da Inovação na Cooperativa Central Ailos

Baixa velocidade

No caso específico das cooperativas nacionais, a coordenadora do Laboratório de Inovação do Sistema Ailos, Paula Thais Cardozo, considera ‘baixa’ a velocidade de assimilação de inovações por parte das chamadas empresas tradicionais. “Essas empresas estão na fase do desconforto, percebendo que não geram resultados diferentes fazendo as mesmas coisas. A pressão da velocidade que as empresas nativas digitais trazem, também mobilizam a mudança. Abrir as portas para o novo, para o conhecimento e entender que nem sempre sozinhos construímos a melhor solução”, observa. “Experimentar novas parcerias, e perceber que existem novos players que entregam mais rápido e melhor, podem ser bons movimentos para ampliar a capacidade de adoção de inovações e ampliar a velocidade da aplicação dessas soluções”, acrescenta.

No que toca a Ailos, a empresa instituiu a inovação como ponto central de seu planejamento estratégico, por meio do fomento à essa cultura e a busca de novas formas de geração de valor. “Constituímos um laboratório de inovação, com foco na experimentação, conexão com startups e provocação da inovação e intraempreendedorismo”, revela. Entre as vantagens estratégias oferecidas pela inovação, a coordenadora aponta o “foco na experiência e construção de uma solução finalmente escalável”, em que a interação com o usuário permite criar uma solução sob a perspectiva dele, com “potencial de sucesso muito maior”.

Ser escalável, acrescenta ela, não significa que se vai contar com uma solução completa desde o início, mas sim “uma visão clara de evolução e de ampliação do negócio, como organismo vivo que está sempre evoluindo e agregando inovação”. Para as cooperativas especificamente, Paula  entende que a atuação das startups abre espaço, inclusive, para a descoberta de “novos modelos de negócios”.

A mudança de visão (ou mentalidade) em relação à inovação está no cerne da transformação das organizações, de dentro para fora. “O caminho é não se apaixonar pelo produto e sim pelo que ele entrega de valor, e focar no mercado. Existe uma curva de adoção de uma solução inovadora, onde os mais disruptivos, e que são adeptos a novidades, consomem de maneira mais rápida, mas existe um abismo entre esse perfil e os mais conservadores, que precisam de uma evidência e exemplos de benefícios reais”, admite a coordenadora, ao explicar que a  “atenção ao mercado, ao que ele precisa (de modo a obter benefícios da solução) possibilita um ajuste rápido de curso da estratégia e do produto, além de trazer agilidade e agregar funcionalidades à medida que as coisas vão acontecendo”.

Renato Mendes – Head of Marketing & Communications for Latin America da Netshoes

Choque de modelos de gestão

Um novo olhar, não só para o negócio, mas também para seu grupo de colaboradores, associados ou cooperados. É o que aponta o co-fundador do fundo de investimento Organica 10.4.3, professor de pós-graduação do Insper e da PUC-RS, além de mentor na Endeavor Brasil e Head of Marketing & Communications for Latin America da Netshoes, Renato Mendes, para quem está em curso um ‘choque de modelos de gestão’ entre a economia tradicional e a chamada nova economia.

“Existem algumas diferenças centrais. A primeira delas é que a economia tradicional se baseia no comando e controle, há um planejamento, queremos gerar o máximo de previsibilidade possível, não cometer erro algum e eu tenho de microgerenciar a execução. Então, estou em cima do meu funcionário o tempo inteiro, a hora que ele chega, que ele sai, quantas entregas ele faz, e vem de um modelo da Revolução Industrial, de uma lógica fabril que não faz sentido para o escritório e por isso está perdendo espaço”.

Em contrapartida, essa relação de trabalho, explica Mendes, se baseia no conceito de ‘autonomia com responsabilidade’, deixando em definitivo para trás o corrosivo hábito ‘de dar ordens’ aos empregados, constantemente cobrados por performance (microgerenciamento). A partir de agora, estes serão desafiados a resolver problemas, visando oferecer a melhor experiência ao cliente final. “Mostro o contexto de mercado, estabeleço metas e defino prazos. Dessa forma, as pessoas entendem a estratégia de negócios e se tornam mais aptas a sugerir inovações ou sugerir melhorias”, explica. Ao cabo de uma semana, continua o head, o funcionário é chamado para uma conversa, na qual será cobrado pelos resultados estabelecidos. “Se a meta não for cumprida, a pessoa é trocada. Então, o conflito central é o modelo de gestão. Comando e controle versus autonomia com responsabilidade”, resume.

Ao mesmo tempo, Mendes reconhece que a pandemia serviu para acelerar muito o processo de digitalização da economia, devido à necessidade de distanciamento social e o lockdown imposto pelas autoridades.  “Cada vez mais pessoas buscam a Internet para resolver problemas dentro de casa, como comprar um curso online, abrindo espaço para as plataformas digitais, mas as empresas, que já haviam se preparado para isso, ‘surfaram numa onda de maneira incrível’, uma vez que o restaurante que já estava ligado no Ifood, por exemplo, vendeu muito mais, mas aquele que não estava preparado, está hoje suando a camisa para correr atrás”, conta.

Lógica ‘invertida’

A inversão da lógica de atendimento é um dos destaques dessa transformação digital, na avaliação de Mendes. “No caso da startup, ela começa pelo problema do cliente, e se pergunta o que eu posso fazer para ajudá-lo a resolver o problema? Isso é um approach diferente, pois a solução sai de dentro para fora e não o contrário. Essa abordagem diferenciada está sendo captada pelas empresas, que “ao invés de criar produto e caçar cliente, é mais fácil encontrar cliente e criar um produto para resolver o problema dessa pessoa”.  O head arremata afirmando que o “próximo passo é ampliar a zona de transformação, colocando cada vez mais gente nessa lógica do digital, que é um caminho sem volta, não é uma discussão de sim ou não, mas de quando”.

 Sobre a natural resistência humana ao novo, a coordenadora da Ailos comenta que, embora essa “seja uma tendência biológica, pois nosso cérebro primitivo nos faz ser assim, a mudança de visão se torna natural, à medida que são apresentados ganhos suficientemente valiosos para mudar. Então, um comportamento inovador somente será real, se as pessoas sentirem que ele gera valor não somente ao negócio, mas para elas mesmas”. Já as empresas, segundo ela, têm de estar “preparadas para valorizar esse comportamento e reconhecer as pessoas que buscam resolver os problemas, se arriscando, provocando, errando e fazendo acontecer”.

Mas não basta a mudança da ‘cultura interna’ de uma empresa ou corporação. Paula Thais assinala que a participação em feiras, contatos com programas de aceleração e assimilação de novas tecnologias podem fazer a diferença no retorno dos investimentos realizados.  “É necessário fazer a imersão nesse universo para transformar, por meio da inovação, ideias em resultados”, avalia, acrescentando que, além de atestar o valor desse processo, será obtida uma economia considerável, somente eliminando gastos em soluções sem perspectivas que não justificam investimento algum.

Deixando de lado o conceito arcaico da cobrança sistemática do empregado, a palavra de ordem agora é “errar rápido e aprender rápido”, assinala a coordenadora, ao comentar que “as empresas que conseguirem demonstrar o impacto desse conceito, demonstrando iniciativas que valem a pena ou aquelas que validam que um projeto não tem aplicabilidade, conseguem mexer com as crenças quanto ao processo de inovação. E isso só acontece quando se expande horizontes, quando as empresas abrem suas portas para o conhecimento, para entender as novas tecnologias, para estar em contato com outros negócios, estimulando as pessoas a saírem do seu status quo, e entenderem que existem outras possibilidades”, receita.

Quanto aos ingredientes necessários à essa ‘decolagem’ das startups, Paula Thais menciona “o apoio a incubadoras que apoiam o nascimento e o desenvolvimento inicial e aceleradoras que impulsionam e apoiam na captação de recursos”. Sobre a contribuição para reduzir o alto índice de mortalidade de empresas no país, a coordenadora esclarece que o principal efeito da atuação das startups, como ‘organismo vivo’ com estrutura mais enxuta, têm mais facilidade de reinventar e pivotar seu modelo de negócio mais acertado. Ao mesmo tempo, ela diz que “empreendedores com visão de longo prazo podem criar uma startup para obtenção de ganhos de escala e para consolidar uma expansão do negócio, a partir de uma dinâmica que altera ‘a forma de fazer as coisas’, menos burocrática e com maior apoio e busca por conhecimento”.

Para ela, “mais do que nunca, a transformação digital coloca em evidência o dinamismo dos startups, que desenvolvem, de forma ágil e escalável, soluções calcadas em tecnologias, interação que permeia áreas distintas, como agronegócio, saúde e financeira – no caso da Ailos. Paula Thais diz que “a conexão com esses novos modelos de negócios gera um ganho no desenvolvimento de novos produtos, melhores processos. Quando falamos de Fintechs, temos as mais diversas soluções, de backoffice, meios de pagamentos e contas digitais, que trazem benefícios, tanto para a empresa quanto para a startup”.

Em escala mundial, a coordenadora da Ailos lembra que “as empresas com marcas mais valorizadas no mundo, tem conexão com tecnologia. Não é à toa, pois é um caminho sem retorno. Quando as inovações são incorporadas no dia a dia das pessoas e muda o comportamento da sociedade, elas deixam de ser temporárias”, sentencia.

Plataforma Space

Referência

Um dos exemplos de cooperativa de crédito sintonizada com os ventos digitais pode ser dado pelo Sicoob Empresas, que se tornou referência no mercado, de acordo com artigo publicado pela revista ‘Saber Cooperar’, em junho deste ano. De olho nessa nova tendência, a empresa – com atuação no RJ e em SP – criou, no final de 2016, uma plataforma inovadora de apoio e incentivo a fintechs, a Plataforma Space, pela qual startups na fase inicial de operações contam com capacitação técnica, apoio em infraestrutura, crédito e acesso ao mercado, por parte de empresas tradicionais, com foco no crescimento de clientes e no aumento do valor agregado dos produtos. Na fase seguinte, a cada semestre, a cooperativa seleciona seis startups que, no período de cinco semanas, passam por “atividades de imersão, comunicação estratégica, treinamentos de relacionamento com investidor e até mesmo internacionalização”.

Para o diretor-presidente do Sicoob Empresas RJ, Eduardo Diniz, a ideia central é identificar startups com soluções que impliquem aumento de produtividade, redução de custos, melhoria de processos, além de conseguir atrair mais cooperados e negócios para a instituição financeira. “Não diria que somos uma aceleradora em si, mas um programa de incentivo ao crescimento e consolidação de scale ups, ou empresas que conseguem sustentar um crescimento de pelo menos 20% ao ano, durante um período de três anos seguidos”, definiu, arrematando que “somos uma plataforma que tem por objetivo alçar essas empresas ao patamar mais alto possível”.

Exemplo ianque

De um total de 70 inscrições, de toda a América do Norte, a Start.Coop, de Boston (EUA), selecionou seis cooperativas para o seu programa de aceleração de startups cooperativas, que vão contar com conhecimento, ferramentas e financiamento necessários para construir negócios que compartilham propriedade, a partir de um investimento de US$ 18 mil dólares e uma orientação contínua de uma comunidade de especialistas. Uma vez formadas, as startups cooperativas – também chamadas de cooptechs – devolvem o investimento à Start.Coop com uma porcentagem de sua receita futura. Um exemplo de cooperativa formada pela Start.Coop é a Savvy, que recentemente recebeu investimento de venture capital.

A modalidade tem atraído consultas em todo o mundo sobre a forma de aceleração promovida pela Start.coop, de acordo com o seu fundador e codiretor, Greg Brodsky. “Estamos vendo uma enorme validação de nossa abordagem, com consultas de todo o mundo sobre como aceleramos o crescimento de empresas de propriedade compartilhada e cooperativas de plataformas. Depois de fazermos algumas escolhas difíceis este ano, finalmente selecionamos as principais equipes com base em sua capacidade de escalar, potencial de impacto social, a experiência dos fundadores e o respectivo conhecimento do setor”, completa Brodsky.

De acordo com o site StartSe, existem cinco motivos para o êxito das startups: 

Resposta rápida às mudanças

Ter um plano para o desenvolvimento de um produto é importante, sem dúvidas, mas não pode engessar a estratégia da companhia. Os profissionais precisam estar atentos à possíveis alterações que possam ocorrer durante o desenvolvimento, readequando o trabalho para melhor atender os objetivos.

Desburocratização

Mais do que ler e entender páginas e páginas de documentos que explicam como um recurso deve funcionar, o ideal é que times multidisciplinares envolvidos no produto aprendam na prática sobre o funcionamento do fluxo de trabalho, deixando processos mais enxutos, eficientes e rápidos.

Sistema colaborativo

Uma empresa que tem os princípios do ágil, Lean e de outras metodologias em seus valores e cultura entende que uma parceria vai além da negociação de contratos. O trabalho deve envolver a troca de experiências entre as duas partes, um profundo alinhamento das pessoas, clareza nas restrições, ser guiado por metas claras, estimulando um ambiente saudável e harmonioso para que todos possam contribuir com a evolução do produto.

Simplicidade

Por que criar e desenvolver softwares enormes dentro de um plano rígido e pré-definido, se existe uma forma de alcançar os objetivos fazendo mais com menos? Em um cenário de instabilidade econômica, é imprescindível otimizar a estrutura e alcançar mais resultados com o menor esforço possível, eliminar o desperdício, lançar rápido e colher feedback rápido.

Usuários e Clientes em primeiro lugar

A maior prioridade de uma empresa ágil é entregar o que os usuários reais do produto precisam alinhado com as metas de negócio da empresa contratante. Para isso, é preciso apostar na entrega adiantada e contínua de um produto de valor, que faça sentido aos objetivos do parceiro. Dessa forma, todas as etapas de desenvolvimento levam em conta as preocupações e necessidades dos clientes.

Fonte: mundocoop